quarta-feira, 30 de outubro de 2013

O RISO É PERIGOSO

 
Eu poderia  ter escrito cada frase deste texto, mas ainda que não tenha sido eu, torno estas palavras minhas e coloco aqui no Armário pra vcs:



Clarice Lispector beliscava sua amiga Lygia Fagundes Telles quando entravam juntas num encontro literário:

– Não ri, vai! Séria, cara de viúva.
– Por quê? – perguntava Lygia.
– Para que valorizem o nosso trabalho.
Não há mesmo imagem de alguma risada da escritora Clarice Lispector. Em livros e revistas, a cena que persiste é seu olhar desafiador, emoldurado por um rosto anguloso, compenetrado e enigmático. Os lábios não se mexem, absolutamente contraídos, envelopes fechados para a posteridade.
Lispector não mostrava suas obturações, sua arcada para ninguém. Não se permitia gargalhadas para não parecer mulher superficial e leviana.
Ela percebeu que existe um imenso preconceito contra a alegria. Os críticos não a levariam a sério, dizendo que ela não era densa, não inspirava profundidade; acabariam por sobrepor a aparência faceira aos questionamentos metafísicos de sua obra.
Seu medo não era bobo. O riso permanece perigoso. Todos temem os contentes. Falam mal dos contentes.
O riso gera inveja, ciúme, intriga: “Por que está feliz, e eu não?”.

A alegria é malvista em casa e no trabalho, sempre intrusa, sempre suspeita equivocada de uma ironia ou de um sentimento de superioridade.
Ainda acreditamos que profissionalismo é feição fechada, casmurra. Ainda deduzimos que competência é baixar a cabeça e não entregar nossas emoções.
Quanto mais triste, mais confiável. Quanto mais calado, mais concentrado. O que é um tremendo engano.
A criatividade chama a brincadeira, assim como a risada renova a disposição.
Se um funcionário ri no ambiente profissional, o chefe deduz que ele está vadiando, sem nada para fazer. Poderá receber reprimenda pública e o dobro de tarefas. Quem diz que ele não está somente satisfeito com os resultados?
Se sua companhia ri durante a transa, você conclui que está debochando do seu desempenho. Quem diz que não é o contrário, que ela não festeja o próprio prazer?
Se a criança ri no meio da aula, o professor compreende como provocação e pede para que cale a boca. Quem diz que ela não está comemorando algum aprendizado tardio?
Se o filho ri quando os pais descrevem dificuldades profissionais, a atitude é reduzida a um grave desrespeito. Quem diz que ele não achou graça do tom repetitivo das histórias?
Se a esposa ou marido ri e suspira à toa, já tememos infidelidade.
O riso é escravo dos costumes, sinônimo de futilidade e distração quando deveria ser visto como sinal de maturidade e envolvimento afetivo.
Não reagimos bem à felicidade do outro simplesmente porque ela ameaça nossa tristeza.
( Fabício Carpinejar)


e a trilha sonora é sem dúvida CAZUZAhttp://www.youtube.com/watch?v=EY6yADM2BRQ

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Mais que eu, sou muitas.....




Desfilar pelas ruas com minhas escolhas  é levar comigo muitas existências. Todas em uma, brilhando jun­tas no meu jeito de andar. Caminhar como quem escreve um poema. O corpo é a caneta, o pincel de pintar o tempo em que estou e estive. A vida em movimento: inteira, nova, mutante. O que enfeita meu corpo faz do meu vulto imagem nítida e com volume. Sou mais que necessidade, sou de­sejo. Sou mais que alimento, sou banquete. Mais que eu, sou muitas.

G de Genial!!!



É assim que eu enxergo o vestir. É como dançar, escrever, compor uma música, fazer um verso, pintar um quadro. Não é matemático. Não acredito que exista certo e errado na moda. Existe o que os nossos olhos veem e o que a nossa intuição aprova. Errado é não respeitar as diferenças que cada corpo tem  seja este P M ou G e as diversas for­mas  que cada um tem de expressar o que sente e quer . 
Se trocássemos o "certo e errado" da moda pelo "certo e errado" na vida, estaríamos salvos.
Opções não faltam. Basta colocar a palavra moda no Goo­gle para obter mais de 750 mil resultados em um quinto de segundo. Mas você já reparou que a maior parte dessas op­ções diz a mesma coisa? São muitas vozes dissonantes e desencontradas dizendo o mesmo lugar-comum. O coro canta uma ciência exata, mas a música que acompanha é carregada de emoção.








O G é genial!!! o G é Gilberto Gil!!!!!!!



http://www.youtube.com/watch?v=03Aq-qnJng4

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Algazarra no armário da Carlota!

Uma historinha portuguesa, delicada pra ninar tod@s vocês





Era uma vez uma sapateira que se chamava Necas e que guardava todos os sapatos de Carlota nas suas prateleiras branquinhas.
Necas estava sempre muito bem organizada pois Carlota, apesar dos seus ainda 7 anos, já era muito arrumadinha e se havia coisa que não gostava era de ver!os sapatos!espalhados pelo chão da
casa.!
Todos os pares de sapatinhos da menina gostavam muito de viver dentro de Necas. Era ali dentro que se sentiam em casa e que contavam as aventuras e peripécias que passavam nos!pés de
Carlota ao longo do dia, sempre que a menina os usava.!
Por vezes, também contavam as suas tristezas ao movelzinho e aos outros pares de amigos, sobretudo quando ficavam na prateleira durante muito tempo sem serem!escolhidos pela menina.!
Sempre que a Carlota começava o dia e escolhia os sapatos que ia calçar. Abria a porta do armário e tudo estava calmíssimo - como é normal dentro de um móvel, claro está -, mas mal fechava
as portas do armário, lá começava o barulho outra vez!!
Quem podia imaginar que o calçado fosse tão maçador, impaciente e descontente dentro de uma sapateira? Pois é, na! sapateira desta história não havia excepção. Havia é sempre uma
grande confusão, e Necas que o diga!!
Numa manhã de fim-de-semana, igual a muitas outras, Carlota preparava-se para ir andar de bicicleta. Abriu a sapateira e de lá tirou os ténis. Mal a menina fechou o armário, começou a algazarra:!
- Isto não se admite, ela nunca nos leva a passear, para nós podermos chapinhar! - Diziam as galochas descontentes.!
- Mas não está a chover e por isso nem poças deve haver. - Respondiam as sandálias às galochas.!
- Servir só para o ballet também não é justo. - Queixavam-se os sapatos de ponta, que já não eram levados há muito tempo para dançar.!
- Com essas pontas, só podem ser tontas. - Troçavam as modernas!crocs.!
Na prateleira mais abaixo, sorriam as havaianas felizes e contentes:!
-!É verão e nós vamos à praia diariamente.!
Nisto ouve-se uma gargalhada vinda lá de fora do armário:!
- Ahahah! Não há nada como ser tão útil como nós. Somos usados pela Carlota todos os dias de manhã e à noite. - Rebolavam a rir os chinelos de quarto, deitando a palmilha de
fora.! E assim se instalava a confusão. Entre queixas, troças e amuos, Necas tinha sempre de pôr alguma ordem ali dentro:!
- Pouco barulho nesta casa! Calçado impaciente e descontente!
Não percebem que todos vocês têm utilidade para cada fim e para cada estação do ano. - Ralhava a sapateira, que continuava: !
- O pior é para as botinhas que ali estão caladinhas. Amanhã vão se embora desta casa. Vão servir outros pés e nós temos de nos despedir delas.!
Fez-se silêncio. As atrevidas!crocs!atreveram-se a perguntar às botinhas: "Então é o vosso último dia aqui, não é verdade? Já sabem para onde vão?!
Necas apressou-se a responder antes que as botinhas começassem a chorar:!
- Sim, já se sabe. Parece que vão calçar os pézinhos de Maria, uma menina um pouco mais nova de que a nossa!Carlota e que também vive na rua deste prédio.!
Finalmente as botinhas resolveram falar:!
- Não nos importamos nada com isso. Se pudermos agasalhar os pezinhos da Maria ficamos todas contentinhas.!
- Assim é que se fala.!O que importa é fazer alguém feliz. - Respondia Necas.!
No armário desta história não eram nada fáceis os dias da despedida, mas Necas esforçava-se a explicar que todo o calçado que era dado a outros meninos tinham muito utilidade, já que
continuavam a ser úteis e faziam outras crianças muito felizes.!
De repente, um barulho no quarto... As portas de Necas!abriram -se.
O calçado fez silêncio. Era a mãe de Carlota. Esta pegou nas botinhas da menina e meteu-as dentro de um saco.
E assim foram embora. Só tendo tempo para dizer umas palavras rápidas:!
- Adeus, adeus amigos! Até breve! Certamente que nos cruzaremos por aí, vocês nuns pés, nós noutros.!
- Adeus Botinhas! - Gritava todo o calçado em coro.!
No mesmo dia, a algazarra dentro do armário acabou num instante.!
As botinhas tinham-se ido embora para outros pés, para outra casa, para!perto de outros sapatinhos amiguinhos.!
Mas esta história não acaba aqui.!
Passado algum tempo chegou o inverno e as portas de Necas abriram-se para receber umas novas amiguinhas.!
- Somos as botinhas da Disney. Diziam as novas botas !
- Estávamos fechadas numa caixa de cartão escura há algum tempo e cansadas de não ser usadas. Hoje a Carlota tirou-nos de lá e já fomos passear.!
Necas e todos os outos sapatos deram as boas-vindas às novas amiguinhas, mas sem nunca esquecer as anteriores, até porque!estas botinhas traziam sempre notícias das que tinham sido dadas, bastava que as encontrassem no recreio da escola, nos pés de Maria, a!menina que era agora a sua nova dona.! tinha recebido de Carlota e que já nem queria calçar outra coisa.
Que sorte para essas sido dado era Necas, sobretudo quando eram boas novidades, ou
seja, que!tinham voltado a!ser úteis.

É que Necas nunca se esquecia que o que já não é usado!por uma menina, pode sempre
servir para outra, seja uns sapatos, uma boneca ou um livro.

É assim que se multiplicam sorrisos todos os dias.!

!

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

O vestido Azul

Hoje, um vestido azul foi embora do Armário da Carlota para viver com sua nova dona e eu me lembrei desse romance de  Doris Dörrie  "O vestido azul "
 
Aclamada pela crítica como "uma das melhores autoras da literatura contemporânea alemã", nesse romance  a premiada escritora e cineasta Doris Dörrie conta a história  de Florian  Weber que tentando organizar um desfile em homenagem póstuma ao estilista e companheiro Alfred Britsch, morto pelo câncer, busca resgatar os modelos que mais marcaram sua trajetória profissional. 
O último deles, um vestido azul, traje sem mangas de organza da cor do mar, fora vendido para a designer Babette Schröder, e ele bate à porta da compradora para tentar recuperá-lo. O que ele não sabe é que a frase profética pronunciada por Alfred no momento da venda - "Este vestido vai mudar a sua vida!" - de fato teve caráter transformador para a proprietária da peça.
O vestido passa a ser a intersecção na vida dos dois. De tragédias análogas - a designer também perdera o companheiro, porém em acidente de trânsito em viagem a Bali - Florian e Babette tornam-se amigos, compartilhando as tristezas e escarafunchando a dor da perda de seus parceiros. O sentido metafísico que Dörrie atribui à vestimenta não só se apresenta na peça-título do livro, mas acaba por permear toda a obra. A veste, tal qual uma cicatriz, representa marco na trajetória de quem a usa ("Babette era alguém que acompanhava a moda. Ela podia contar toda a sua biografia por meio de peças de roupa"), os estados da alma.
Em O vestido azul, Doris Dörrie reflete sobre o amor incondicional, desprovido de egocentrismo, e o peso que a morte tem sobre a vida. A descrição psicológica dos personagens, aliada à linguagem cinematográfica da escritora, cria imagens poéticas que dão a exata profundidade das experiências vividas pelos personagens que cria. Assim como outras de suas obras literárias, O vestido azul provavelmente ganhará versão para o cinema no futuro.
 









domingo, 20 de outubro de 2013

A moça tecelã parte II

 Como prometi segue a segunda e ultima parte desse lindo conto de Marina Colasanti

 A moça tecelã  Parte II



- Uma casa melhor é necessária, -- disse para a mulher. E parecia justo, agora que eram dois. Exigiu que escolhesse as mais belas lãs cor de tijolo, fios verdes para os batentes, e pressa para a casa acontecer. Mas pronta a casa, já não lhe pareceu suficiente. – Para que ter casa, se podemos ter palácio? – perguntou. Sem querer resposta, imediatamente ordenou que fosse de pedra com arremates em prata. Dias e dias, semanas e meses trabalhou a moça tecendo tetos e portas, e pátios e escadas, e salas e poços. A neve caía lá fora, e ela não tinha tempo para chamar o sol. A noite chegava, e ela não tinha tempo para arrematar o dia. Tecia e entristecia, enquanto sem parar batiam os pentes acompanhando o ritmo da lançadeira. Afinal o palácio ficou pronto. E entre tantos cômodos, o marido escolheu para ela e seu tear o mais alto quarto da mais alta torre.
- É para que ninguém saiba do tapete, -- disse. E antes de trancar a porta à chave, advertiu: -- Faltam as estrebarias. E não se esqueça dos cavalos! Sem descanso tecia a mulher os caprichos do marido, enchendo o palácio de luxos, os cofres de moedas, as salas de criados. Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer. E tecendo, ela própria trouxe o tempo em que sua tristeza lhe pareceu maior que o palácio com todos os seus tesouros. E pela primeira vez pensou como seria bom estar sozinha de novo. Só esperou anoitecer. Levantou-se enquanto o marido dormia sonhando com novas exigências. E descalça, para não fazer barulho, subiu a longa escada da torre, sentou-se ao tear. Desta vez não precisou escolher linha nenhuma. Segurou a lançadeira ao contrário, e, jogando-a veloz de um lado para o outro, começou a desfazer o seu tecido. Desteceu os cavalos, as carruagens, as estrebarias, os jardins. Depois desteceu os criados e o palácio e todas as maravilhas que continha. E novamente se viu na sua casa pequena e sorriu para o jardim além da janela. A noite acabava quando o marido, estranhando a cama dura, acordou e, espantado, olhou em volta. Não teve tempo de se levantar. Ela já desfazia o desenho escuro dos sapatos, e ele viu seus pés desaparecendo, sumindo as pernas. Rápido, o nada subiu-lhe pelo corpo, tomou o peito aprumado, o emplumado chapéu. Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma linha clara. E foi passando-a devagar entre os fios, delicado traço de luz, que a manhã repetiu na linha do horizonte.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

A moça tecelã

Como nos velhos folhetins que se publicavam em capítulos, publico agora a primeira parte desse conto maravilhoso da Marina Colasanti,

                                               A Moça Tecelã


Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das beiradas da noite. E logo sentava-se ao tear. Linha clara, para começar o dia. Delicado traço cor de luz, que ela ia passando entre os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade da manhã desenhava o horizonte. Depois lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, em longo tapete que nunca acabava. Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça colocava na lançadeira grossos fios cinzentos de algodão mais felpudo. Em breve, na penumbra trazida pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que em pontos longos rebordava sobre o tecido. Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à janela. Mas se durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e espantavam os pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios dourados, para que o sol voltasse a acalmar a natureza. Assim, jogando a lançadeira de um lado para o outro e batendo os grandes pentes do tear para frente e para trás, a moça passava os seus dias. Nada lhe faltava. Na hora da fome tecia um lindo peixe, com cuidado de escamas. E eis que o peixe estava na mesa, pronto para ser comido. Se sede vinha, suave era a lã cor de leite que entremeava o tapete. E à noite, depois de lançar seu fio de escuridão, dormia tranqüila. Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer. Mas tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu sozinha, e pela primeira vez pensou como seria bom ter um marido ao seu lado. Não esperou o dia seguinte. Com capricho de quem tenta uma coisa nunca conhecida, começou a entremear no tapete as lãs e as cores que lhe dariam companhia. E aos poucos seu desejo foi aparecendo, chapéu emplumado, rosto barbado, corpo aprumado, sapato engraxado. Estava justamente acabando de entremear o último fio da ponta dos sapatos, quando bateram à porta. Nem precisou abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o chapéu de pluma, e foi entrando na sua vida. Aquela noite, deitada contra o ombro dele, a moça pensou nos lindos filhos que teceria para aumentar ainda mais a sua felicidade. E feliz foi, durante algum tempo. Mas se o homem tinha pensado em filhos, logo os esqueceu. Porque, descoberto o poder do tear, em nada mais pensou a não ser nas coisas todas que ele poderia lhe dar.


Continua.........

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Fundo da Gaveta - Chanel



 


“Sou contra a moda que não dure.(...) Não consigo imaginar que se jogue uma roupa fora, só porque é primavera.”   
Coco Chanel



sábado, 12 de outubro de 2013

O Vestido no Armário


René Magritte, Homenaje a Mack Sennett, 1937

 

 

Caso do Vestido

Carlos Drummond de Andrade


Nossa mãe, o que é aquele
vestido, naquele prego?
Minhas filhas, é o vestido
de uma dona que passou.
Passou quando, nossa mãe?
Era nossa conhecida?
Minhas filhas, boca presa.
Vosso pai evém chegando.
Nossa mãe, dizei depressa
que vestido é esse vestido.
Minhas filhas, mas o corpo
ficou frio e não o veste.
O vestido, nesse prego,
está morto, sossegado.
Nossa mãe, esse vestido
tanta renda, esse segredo!
Minhas filhas, escutai
palavras de minha boca.
Era uma dona de longe,
vosso pai enamorou-se.
E ficou tão transtornado,
se perdeu tanto de nós, 
se afastou de toda vida,
se fechou, se devorou,
chorou no prato de carne,
bebeu, brigou, me bateu,
me deixou com vosso berço,
foi para a dona de longe,
mas a dona não ligou.
Em vão o pai implorou.
Dava apólice, fazenda,
dava carro, dava ouro, 
beberia seu sobejo,
lamberia seu sapato.
Mas a dona nem ligou.
Então vosso pai, irado,
me pediu que lhe pedisse,
a essa dona tão perversa,
que tivesse paciência
e fosse dormir com ele...
Nossa mãe, por que chorais?
Nosso lenço vos cedemos.
Minhas filhas, vosso pai
chega ao pátio.  Disfarcemos.
Nossa mãe, não escutamos
pisar de pé no degrau.
Minhas filhas, procurei
aquela mulher do demo.
E lhe roguei que aplacasse
de meu marido a vontade.
Eu não amo teu marido,
me falou ela se rindo.
Mas posso ficar com ele
se a senhora fizer gosto,
só pra lhe satisfazer,
não por mim, não quero homem.
Olhei para vosso pai,
os olhos dele pediam.
Olhei para a dona ruim,
os olhos dela gozavam.
O seu vestido de renda,
de colo mui devassado, 
mais mostrava que escondia
as partes da pecadora.
Eu fiz meu pelo-sinal,
me curvei... disse que sim.
Sai pensando na morte,
mas a morte não chegava.
Andei pelas cinco ruas,
passei ponte, passei rio, 
visitei vossos parentes,
não comia, não falava,
tive uma febre terçã,
mas a morte não chegava.
Fiquei fora de perigo,
fiquei de cabeça branca,
perdi meus dentes, meus olhos,
costurei, lavei, fiz doce,
minhas mãos se escalavraram,
meus anéis se dispersaram,
minha corrente de ouro
pagou conta de farmácia.
Vosso pais sumiu no mundo.
O mundo é grande e pequeno.
Um dia a dona soberba
me aparece já sem nada,
pobre, desfeita, mofina,
com sua trouxa na mão.
Dona, me disse baixinho,
não te dou vosso marido,
que não sei onde ele anda.
Mas te dou este vestido, 
última peça de luxo
que guardei como lembrança
daquele dia de cobra,
da maior humilhação.
Eu não tinha amor por ele,
ao depois amor pegou.
Mas então ele enjoado
confessou que só gostava
de mim como eu era dantes.
Me joguei a suas plantas,
fiz toda sorte de dengo,
no chão rocei minha cara,
me puxei pelos cabelos,
me lancei na correnteza,
me cortei de canivete,
me atirei no sumidouro,
bebi fel e gasolina,
rezei duzentas novenas,
dona, de nada valeu:
vosso marido sumiu.
Aqui trago minha roupa
que recorda meu malfeito
de ofender dona casada
pisando no seu orgulho.
Recebei esse vestido
e me dai vosso perdão.
Olhei para a cara dela,
quede os olhos cintilantes?
quede graça de sorriso,
quede colo de camélia?
quede aquela cinturinha
delgada como jeitosa?
quede pezinhos calçados
com sandálias de cetim?
Olhei muito para ela,
boca não disse palavra.
Peguei o vestido, pus
nesse prego da parede.
Ela se foi de mansinho
e já na ponta da estrada
vosso pai aparecia.
Olhou pra mim em silêncio,
mal reparou no vestido
e disse apenas: — Mulher,
põe mais um prato na mesa.
Eu fiz, ele se assentou,
comeu, limpou o suor,
era sempre o mesmo homem,
comia meio de lado
e nem estava mais velho.
O barulho da comida
na boca, me acalentava,
me dava uma grande paz,
um sentimento esquisito
de que tudo foi um sonho,
vestido não há... nem nada.
Minhas filhas, eis que ouço
vosso pai subindo a escada.
 
Texto extraído do livro "
Nova Reunião - 19 Livros de Poesia", José Olympio Editora - 1985, pág. 157.

Conheça o autor e sua obra visitando "
Biografias".

 

 

 

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

O Lado A e B da sempre C (essa boneca vem com manual)




Não sei o quanto você me  conhece, talvez me considere uma mulher sem nada de especial (e eu sou mesmo!!!), mas acho que já passou da hora de eu me apresentar
Bom, o que você já sabe é que meu nome é Carla Cristina Garcia, tenho 46 anos, sou paulistana criada em São Caetano e durmo em Santo André
- Meu apelido de infância é Cacu, mas todo mundo na família me chama de Cris;
- Sou capricorniana;
- Sou a filha caçula;
- Tive um gato, o Pepe que eu amava e que ao morrer  me deixou numa solidão irremediável.
- Quis ser arqueóloga por causa do Indiana Jones ;
- Gosto de todas as cores;
- Minha comida preferida é macarrão;
-A fruta? : morango;
- Impossível dizer qual é minha música preferida: pra absolutamente tudo na vida eu tenho uma trilha sonora
- Meu Beatle preferido é a Yoko .
- Minha autora preferida é a Isabel Allende.
- Meu livro preferido Eva Luna.
- Meu filme preferido é impossível dizer também!!!!.
- Adoro viajar;
- Meu lugar preferido no mundo é a estrada;
- Não vou morrer antes de conhecer a Escócia e Praga;
- Adoro rum, conhaque e tequila;
- Sou completamente viciada em cigarro, poesia e séries de TV americanas;
- Não gosto de doces nem de calças apertadas;
- Adoro dançar ;
- Não sei cantar (mas isso não é um impedimento);
- Morro de medo de altura;
- Morro de medo de horóscopo;
- Falo muito, mas tenho vergonha de pedir pizza ao telefone;
- Tenho a habilidade de continuar falando mesmo quando as pessoas param de me ouvir;
- Adoro rir;
- Adoro chorar;
- Adoro dar presentes pra quem eu gosto;
- Odeio gente grossa;
- Quando tenho fome viro um monstro capaz de cometer qualquer crime;
- Falo espanhol, mas meu sonho é falar francês.
- Gosto mais de inverno do que de verão.
- Gosto mais de bar do que de balada.
- Compro livros que nunca leio e dvds que nunca assisto.

Acho que deu pra notar que não sou diferente de muita gente, mas também não sou igual a ninguém.

Então, essa sou eu e pra querer ser meu amigo é preciso antes saber essas coisas.
Se você  quer mesmo saber quem eu sou, saiba o quanto eu me desfaço e me arrebento e o quanto eu tento voltar sempre inteira. Sou de uma fragilidade meio assim asa de passarinho, de pardal comum, e na maior parte do tempo não tem brilho nenhum minha intimidade.
Não sou bonita – principalmente se olhada perto e tenho momentos de um ridículo irremediável e uma série de pequenas vergonhas.
E eu nem lembro direito porque pintei o rosto pela primeira vez. Talvez um desejo de ser outra. Nem sei quando depositaram em mim o medo, os laços de família, a culpa. Nem percebi.
Sei que sentia uma atração irrefreável pelo mágico, pelo esquisito, clandestino. E gostava de truques, chapéus, tempestades, heróis de gibi, teatro atrás da cortina e de umas palavras pobres que agora eu esqueço.
Lembro também que eu me sentia segura, nos móveis velhos da minha casa e nos abraços de meu pai.
Sei que tenho construído uma solidão quieta onde continuo gostando de palavras engraçadas como ardido, estrago, nervuras. Usando palavras inexplicáveis pra dizer o que às vezes sinto.
Sei que tenho deixado meus grampos espalhados por onde passo e de vez em quando, gosto mais das pessoas do que elas de mim.
Mas penso que consegui me salvar do meu potencial de tragédia, apesar da minha natureza inquieta. Mas nunca perdi a mania de achar que as lagartixas dão sorte e que em tudo há significados estranhos.
Sinto que superei vergonhas, bloqueios, barreiras e que de certa forma tenho sido obediente aos meus instintos e às vezes a coisa mais lírica que posso fazer é lavar os pés no tanque da minha casa.

É isso, muito prazer em conhecê-l@s!

Diferentes diferenças




Quase ninguém lhe diz que ser diferente é bom. Ao contrário, a vida inteira a gente aprende a ver a diferença como algo ne­gativo. Mas é inútil tentar: ninguém é igual a ninguém. Po­demos encontrar semelhanças, mas seremos sempre dife­rentes. Alguns às vezes tomam este fato com tristeza até entender que ela é a nossa grande qualidade.  Não existe ninguém igual a você. E é justamente esse pode ser o alicerce da autoestima.  
Na vida temos vários momentos de "adolescência" em que a busca por semelhança faz parte da nossa busca pelo bem-estar. Mas quando passamos a enxergar a diferença como aliada, finalmente tomamos uma estrada que nos le­vará a algum lugar. Entender e acolher o seu aspecto único como uma grande qualidade é definitivo. Depois disso, você está pronto para qualquer estrada. Ser viajante é um é um movimento de dentro para fora, e não de fora para dentro.